30/04/2016

Dilar

A Dilar era uma senhora que trabalhava lá em casa quando eu era pequena. Eu sofria de amigdalites e, de 15 em 15 dias, lá ia eu ao Centro de Saúde para uma injecção de penicilina. Desta minha condição de saúde, a Dilar insistia em dizer à minha Mãe:
- Isto só pode ser mau olhado, Senhora Professora. Vá por mim que é mau olhado.
- Não diga isso à frente da garota, Dilar, que ela ainda acredita nessas coisas - sorria a minha Mãe.
- Ah, mas é mesmo para acreditar!
E, de quando em vez, mais vezes do que era normal, lá vinha eu ao colo do meu Pai, sem conseguir andar, depois de mais uma injecção.

Esta semana, pensei muito na Dilar. Eram quatro dias de férias planeados e divididos em arrumações e em fazer nada. Muito fazer nada. A primavera, finalmente, chegou, os miúdos não vão ao médico há quatro meses, o segundo aniversário da T para comemorar e organizar, tudo corria de feição. No dia dos anos dela, segundo dia de férias, ligaram da escola: que tem febre, que não come, que está xoxa. Partir daí, abortaram-se todos os planos: a T não sai do colo.
Há seis anos que é assim: quando tiro uns dias de férias só para mim, há sempre um filho doente. Não é às vezes, é sempre! E a Dilar na minha cabeça:
- Isto só pode ser mau olhado.

Se eu acreditasse nestas coisas, daria razão à Dilar. Como não acredito, fiz brigadeiros. Porque não há nada como uma casa a cheirar a chocolate para nos aquecer o coração pequenino de Mãe.

27/04/2016

27/4

Vocês lembram-se: eu queria mesmo outro rapaz e fiquei em choque quando soube que vinha uma menina. Depois, veio a confusão do nome, a epopeia que foi encontrar um que gostássemos, as discussões que houve à volta disto. Depois chegou o grande dia e foi aquele Amor. O Amor que não se divide pelos filhos que se tem, mas multiplica-se logo que os sabemos dentro de nós.
E ela cresce rápido e fala e explica-se e corre e come tudo e muito. E é torta e teimosa e independente. Mas depois, olha-nos com aquela denguice que eu nunca vi nos rapazes e perdoamos (quase) tudo. Há quem diga que eu precisava de uma menina na minha vida. Que ela só me fez bem. Que foi ela quem conseguiu ressuscitar o meu lado feminino. Ela só me faz bem, é certo. O resto, quem sabe?

"Esta miúda é um exagero", canta o Jorge Palma. Deve ser a frase que mais vezes me passa pela cabeça quando a olho. Um exagero no que come, na cumplicidade com o Manuel, na protecção que procura no António, na concentração a fazer desenhos, na precisão a construir legos, na velocidade com que corre pela casa, na alegria quando me vê. Esta miúda é um exagero no Amor que lhe tenho, no mimo que trocamos, na atenção que me pede. E é um exagero tão bom...

Esta é a minha miúda e faz hoje dois anos. Dois anos de covinha na bochecha e olhos que mudam de cor.
Dois anos de Little Miss T.


21/04/2016

Em silêncio.

As palavras que nunca te direi podiam mudar tudo. 
Não adoro mudanças. Adapto-me bem a tudo, mas não gosto de sair do conforto do conhecido. Arrisco, por vezes, mas não me é fácil. 
A experiência e a idade já me fazem prever alguns embustes com clareza. Nem sempre quero fugir deles. Sei o meu lugar em cada um dos papéis que desempenho. Sei que vou cair ao aterrar. A dúvida é saber se voo ou se fico em terra. E todos os dias mudo de ideias. Hoje, decidi voar. Amanhã, quem sabe?
As palavras que nunca te direi vão ficar num rascunho bem guardado. Bem junto de tantas outras mudanças que nunca chegaram a acontecer. 
Enquanto voo, aprecio a vista. Em silêncio.


07/04/2016

Um mês de sportv cá em casa, dá isto.

Eu diria que jogar à defesa é mais seguro. Mas isso sou eu que sou uma medricas e arriscar, para mim, é uma palavra que só existe no dicionário. Quem percebe do assunto, no entanto, saberá que jogar à defesa é típico da equipa insegura: o jogo confortável, monótono, entediante até. 
A equipa que ganha tem mais confiança para jogar ao ataque. A auto-estima e o conforto do resultado permite-lhe, lá está, arriscar. Há espaço para brilhar e, com alguns bafos de sorte, a probabilidade de fazer um jogo memorável é grande.
Já a fazer o efeito oposto está o excesso de confiança: rouba a atenção dos jogadores para detalhes importantes, às vezes óbvios. Erros de palmatória que, num segundo, viram o resultado. Já se perderam campeonatos assim. Mesmo que os adeptos perdoem, a equipa estará ferida para sempre. 
Posto isto, qual é a melhor táctica de jogo que um treinador pode adoptar? Qual o discurso nos minutos que antecedem a partida? Dependerá, a estratégia, apenas da equipa adversária?

"Mais vale não defender. Afinal, o que se ganha com isso?", disse-me alguém hoje. 

Eu diria que jogar à defesa é mais seguro. Mas eu sou uma medricas e não entendo nada de futebol.

06/04/2016

Margaritas.

Não venho aqui há muito tempo. É recorrente: sou mais assídua quando a vida me corre muito mal ou muito bem. O assim-assim é morno e não me dá assuntos para escrever.
Sei que tenho leitores novos (ou pensam que depois de um jantar regado a margaritas não mereciam menção no blog??), tenho leitores antigos a reclamar a ausência. Não é que falte tempo: mas falta assunto. A maioria das vezes, o silêncio é a melhor arma.
E, por falar em armas, estou a aprender que ficar à defesa cansa muito. Cansa disfarçar. Mas habituamo-nos a isso com relativa facilidade (há dias melhores que outros, como em tudo). Tornou-se tão mecânico que deixa de ser difícil. Torna-se quase natural. E quase fácil. Mas cansa.

Já dizia o outro que viver todos os dias cansa. E eu já tirava umas férias desta quase vida. Oh se tirava...

08/03/2016

Amo-te mas já não gosto de ti.

Foste o amor da minha vida. 
E este pretérito, apesar de perfeito, deixa um amargo na boca, uma sensação de que esta frase está toda errada porque a vida continua. Devia ser o presente a descrever o sentimento e a nostalgia que sinto ao pensar em nós. Ou o pretérito imperfeito que inicia todas as histórias da nossa infância: era uma vez... Mas não. Tal como este pretérito perfeito encerra o "viveram felizes para sempre", também serve para contar a nossa história.
Hoje, disse-o em voz alta, algures numa conversa especial num café qualquer. "Foi o amor da minha vida". E a vida continua, e o amor continua, e os dias continuam. Mas o pretérito, apesar de perfeito, amarga a história que chegou ao fim.
Amo-te mas já não gosto de ti. Capítulo encerrado, digerido e pensado, chorado e ultrapassado. Passado. 
O futuro é uma porta que agora se abre, devagarinho. 

28/02/2016

Are you?

Depois de se morrer um bocadinho é normal que se volte a nascer. E essa nova vida que se encontra depois do negro da quase-morte pode ser um jardim verde e ameno ou pode ser um verão colorido e festivo. Também pode ter as cores vivas do outono ou o cinzento da monotonia.
Ou então, pode ter tudo isto alternado nos dias. Ou mesmo num único dia.
É esta inconstância que nos faz sentir vivos outra vez, faz o sangue correr nas veias, faz perder a concentração, ganhar calor, perder o juízo e encontrar a loucura.
A inconstância dos dias fa-los passar a correr, faz do monótono alegria, faz luz na escuridão, faz crescer borboletas na barriga. A inconstância dos dias depois de uma quase-morte faz-nos viver.

E viver é bom. Afinal, é mesmo bom.


13/02/2016

4 meses

Passaram quatro meses. E apesar de alguns solavancos, o caminho vai-se fazendo. Todos nos habituamos às novas rotinas, às novas realidades. Todos encontramos novas maneiras de viver. Todos.

Apesar de tudo, e principalmente por eles, continuamos a ser uma família. Uma família diferente, mas uma Família.

Foto tirada no dia do 3º aniversário do Manuel.

30/01/2016

Às vezes, perguntam-me se são gémeos.

Principalmente, quando vamos na rua com o carrinho, as pessoas passam e dizem "que giros, são gémeos?". Só ao segundo olhar é que percebem que não: não são gémeos.
Todos os dias vejo-os crescer juntos. As brincadeiras são as mesmas, os interesses os mesmos, as necessidades, a linguagem... Até as roupas poderiam ser as mesmas.
Quando dou uma bolacha à Teresa, ela pede-me outra para o Manu. Quando ele vai buscar uma folha para desenhar, traz outra para a mana. Quando vão para a cama, querem sempre dormir juntos. Gostam dos mesmos bonecos na televisão, ajudam-se a calçar, adoram ler histórias um ao outro.
O Manu nunca se vai lembrar o que era a vida sem a Teresa. 
  

Eles têm 14 meses de diferença. 

Não, eles não são gémeos. Mas às vezes, até eu me esqueço disso.

22/01/2016

O Beijo.

Gosto de beijos.
Detesto beijinhos. Odeio beijocas. Abomino os bjs.

Isto são beijos. Com B grande.


Percebem agora?

17/01/2016

A foto dos totós.


Tenho pena que  pureza das crianças seja tão efémera. E mais pena tenho de ver que os culpados disto são os adultos.
Pela primeira vez, fiz totós à Teresa e o Manuel, como é óbvio de manos-quase-gémeos destas idades, também quis uns iguais. Fizemos a nossa vida, saímos, passeamos e reparei que os olhares se dirigiam a nós. Mas desta vez, não eram os olhares sorridentes habituais, como que a dizer "olha que giros, dois bebés no mesmo carrinho". Reparei em olhares reprovadores, críticos, negativos. E não gostei. Felizmente, eles são muito pequeninos para perceber.
A minha Mãe perguntou-me "porque é que o deixaste sair de totós?". O que a maioria das pessoas não percebe é que a pergunta tem de ser feita ao contrário: porque não?
O que me interessa, muito mais que a questão do género, é criar nos meus filhos estímulos para a construção de uma identidade que os faça felizes, em que eles se sintam confortáveis. Interessa-me valorizar cada conquista, cada vontade, cada vitória. 
Os totós são só elásticos no cabelo.
Enquanto se pensar ao contrário, nunca vamos viver num mundo de igualdade que todos desejamos mas para o qual muito poucos lutam.

15/01/2016

Das mudanças.

Tudo isto que tem vindo a acontecer não traz só coisas más. Uma das coisas boas, é poder pôr a casa a meu (e só meu) gosto. Estou a adorar refazer o meu "escritório", que não é mais do que um canto da sala. Estou com o mesmo entusiasmo que tive há 11 anos, quando fui viver sozinha para um T1 nas Avenidas Novas.
Este é o meu novo cantinho preferido da casa:







Acho que não sou a única a gostar deste canto.

14/01/2016

Qual é o teu lugar?

Crescer é assim. Faz doer os ossos, as articulações, o orgulho e o ego. De um dia para o outro, deixamos de ser meninas para sermos mulheres. Todos esperam de nós o melhor, o expectável, o razoável. E tudo o que fazes é julgado, opinado, posto à prova.
Sabes que cresceste quando os outros deixam de importar. Quando decides fazer só o que te dá na real gana, sem pensar nos outros. Quando te pões em primeiro lugar. Mas até chegar aí, suas, levas chapadas, rasteiras, facadas nas costas. É um caminho difícil e sinuoso. Uma montanha russa cheia de obstáculos.
Os clichés invadem a tua atenção: "guarda as pedras do caminho", "és a pessoa mais importante do universo", "o que não te mata torna-te mais forte", "um dia ainda vais rir disto" ou "a vida só te dá aquilo que consegues suportar". Filosofias de wc escritas pelos Gustavos Santos que proliferam como cogumelos. Tretas. Só tretas.
Quando olhas para uma pessoa, não sabes a batalha que ela está a travar. Não sabes o que está do outro lado do iceberg. Não sabes o que a magoa mais, quão frágil está, se quer falar ou sequer ouvir. Por debaixo da crosta, não sabes o tamanho da ferida: não a escarafunches sem saber se ela está cicatrizada. Não a cutuques se não queres ser sacudido.
Todos têm as suas batalhas. Mais ou menos graves, mais ou menos válidas, mais ou menos óbvias, mais ou menos compreensíveis. Todos.
Respeita. Valoriza. Disponibiliza-te se assim quiseres. Se não quiseres, desaparece. Não provoques. Não perguntes. Sê presente. Mostra-te disponível. Aparece de surpresa.

Crescer dói. E dói muito. Respeita. Põe-te no teu lugar. 

04/01/2016

2016

Com a passagem do ano, pensei em tomar algumas resoluções importantes na minha vida, como é aliás apanágio da época festiva. Pensei, então, nos mais comuns, mas já deixei de fumar há mais de 3 anos, já mudei a minha alimentação, já comecei a correr, já sou dadora de sangue e medula. Cheguei à conclusão que, com isto da idade, a malta vai ficando sem resoluções de ano novo para tomar (porque entretanto foi tomando) e o dia 1 passa a ser uma seca. Nem um item-zinho na to-do-list. Uma página em branco.

Foi, então, a olhar para o meu iPad com o telefone na mão, sentada à frente do computador, que ouvi a minha filha mais nova a pedir-me qualquer coisa:
- Mamã, aifoi mi.
E eu perguntava o que é que ela queria: um desenho?, o Baby TV?, uma história? E ela continuava a apontar para a minha mão e "aifoi mi, Mamã, bufafor". Lá educadinha é ela, por enquanto, e posso não perceber o que quer, mas percebo um "por favor" à distância. 
Só passado um bom bocado é que percebi que ela estava a pedir-me o iPhone, já com lágrimas e o dedo espetado para a primeira aplicação que encontrasse. Tocaram sinos, nessa altura. Trombones, saxofones, xilofones e todos os instrumentos acabados em ones. Caramba, os meus filhos estão viciados nas tecnologias. E o pior é que eu também!

Por isso, decidi desligar-me mais dos iPhones e iPads e MacBooks desta casa, pelo menos quando estou com eles. Principalmente, agora que não há mais nenhum adulto a viver nesta casa. Quando estou com eles, vou estar com eles a 100%. Claro que já é dia 4 e ainda não consegui deixar de espreitar o facebook uma vez por outra ou responder a uma laracha no whatsapp enquanto aquecia as sopas. Baby steps, lá chegarei.

02/01/2016

2/1/2016

Um dia é apenas um dia. 
Uma efeméride, triste ou feliz, não passa de uma efeméride. Terá tanta importância quanta aquela que lhe dermos.
Um dia só é feliz até deixar de o ser. Não há dias bons para comemorarmos acontecimentos maus. E não há maus dias para comemorar acontecimentos felizes. 

Neste dia, há sete anos, foi o meu dia. Um dos dias mais felizes da minha vida. Lembro-me de cada minuto do dia, cada pormenor, cada cara e cada olhar que comemorou comigo, cada passo, cada música, cada sorriso. Lembro-me com todo o pormenor da vista sobre o Tejo, a ponte iluminada, o céu limpo e estrelado, apesar de ter estado a chover o dia todo. Lembro-me de todos os pormenores. 

Foi há sete anos e não se comemora mais. 

01/01/2016

O teu brilho.

Querido e doce Bruno,

Naquele dia 13 de outubro senti o meu mundo ruir. Tudo (ou quase tudo) deixou de fazer sentido, deixei de ter vontade de acordar, não tive força para comer durante dias, só pensava em correr e olhar pelos meus filhos. Foi só por eles que arranjei coragem para seguir em frente. Mesmo assim, os dias passam com dores: de alma, de orgulho, de coração.
Um pouco mais tarde, soube da tua história. Nesse dia, lembro-me bem, senti-me a pessoa mais egoísta do planeta. Algo bem mais forte estava a dar cabo do meu colega e eu chorava por Amor. O que é um desgosto de Amor, afinal, perto de uma doença que nos põe tudo em perspectiva? Essa filha da puta de doença que nos persegue e mata e corrói e nos assusta?
Quando ontem vi as tuas fotos da passagem de ano, o teu brilho, tive vontade de te abraçar muito forte. Não eram os teus olhos que brilhavam. Não era a tua careca que brilhava (também era). Eras tu quem brilhava naquelas fotos. Era a tua força para fazer rir toda uma enfermaria, era a tua disposição, o teu sorriso, o teu olhar doce, a tua coragem
Eras tu quem brilhava. 

Nas primeiras horas do ano, com a minha cama cheia de filhos e a minha vida vazia de sentido, vi o teu brilho. E tive a certeza que, com a tua força, vais conseguir matar esse bicho mau. E tive a certeza que, com o teu exemplo, vou saber aproveitar e dar sentido a cada momento da minha vida. 

Obrigada, querido e doce Bruno. 
Vou ficar aqui à tua espera para te dar o abraço que mereces. 
Muito obrigada. 

30/12/2015

Adéu, BCN. Fins aviat!

Estive a fazer as contas. Se não me enganei, esta foi a sétima vez que aqui estive. 
Arrisco dizer que conheço esta cidade quase tão bem como o Porto. Aqui já fui turista, já fui feliz, já estive em lua de mel, já sofri desgostos de amor, já fui local, já fui americana, já me chamei Ada, já me perdi, já me encontrei. Agora até já posso dizer que já corri 5km. 
Se me oferecessem emprego aqui, eu mudava-me já amanhã. Tenho a certeza que, depois de Lisboa, esta é a melhor cidade para criar os meus filhos. Eles adorariam a cultura da rua, adorariam poder andar de trotinete e patins pelos passeios, pelos parques. Eu adoraria o clima seco, a praia mesmo aqui ao lado, andar de transportes com carrinhos de bebé sem que me olhem de lado, andar a pé por passeios largos, respeitar as bicicletas, ir ao mercado. 

Barcelona é a minha segunda cidade. Aqui sinto-me em casa. Sinto que faço parte. Sinto-me descansada, segura e feliz.
Até breve, Bcn. 
Hasta pronto!

La Barceloneta.

29/12/2015

2015

Odeio balanços. Detesto olhar para trás. Não gosto de perceber o que podia ter sido diferente, onde errei. Não gosto de perceber que errei.
No final do ano mais cruel que já vivi, não olho para trás. Ainda não consigo olhar para a frente. Neste momento, preocupo-me em procurar a armadura que me falta para conseguir enfrentar a realidade. 

Deixei-a arrumada aqui, algures. Eu sei que deixei...

28/12/2015

Foi Natal!

Acho que já disse por aqui que nunca gostei muito do Natal. Olhando para trás, acho que foram duas as razões principais: uma, porque o meu Avô materno adoeceu bastante e fez com que os Natais fossem passados só com a minha família paterna; outra, uns anos mais tarde, porque o meu Avô paterno deixou-nos nas vésperas de Natal. Desde que sou adulta, foi uma época agridoce por estas razões. Além de tudo isto, confesso: odeio ser obrigada a dar presentes, odeio o consumismo desenfreado que esta época significa, odeio o facto de as pessoas cegarem no mês de dezembro. O trânsito anda impossível, não se consegue comprar um litro de leite sem ficar 20 minutos numa fila... um desespero. Todos os anos penso que quero adormecer a meio de novembro e acordar a 6 de janeiro. 
Desde que sou Mãe, o Natal traz-me mais alegrias. Ainda assim, acho ridículo a quantidade de brinquedos que os miúdos recebem e que a maioria acaba por ficar esquecida num canto da casa. Obriga-me a fazer limpezas frequentes ao quarto de brincar, o que não é mau se tivesse tempo para as fazer.

E chega o Natal de 2015. E chega o primeiro Natal nesta nova condição que ainda não baptizei. Chega o Natal, tempo de partilha, da Família e dou por mim a olhar para a minha, para o projecto que eu sonhei e para o qual lutei e não vejo nada mais que cinzas. Recordações. Memórias. 
Os meus filhos estão todos na idade de perceber o Natal como deve ser: todos acreditam no Pai Natal, todos percebem a magia, todos estão na idade de valorizar a Família tal como eu os eduquei a valorizar. Fiz tudo para que essa magia acontecesse. Fiz os possíveis para eles se lembrarem deste Natal com a mesma felicidade. Tudo o que esteve nas minhas mãos, fiz. 

O sabor agridoce esteve apenas na minha boca. 

27/12/2015

Flying solo.

Depois das notícias dos últimos atentados pela Europa fora, estar a andar acima das nuvens não deixa de ser um desafio. Ainda assim, não deixa de ser um dos espectáculos mais bonitos de se ver e das sensações mais apetitosas de sempre. Viajar sozinha. 

Há quanto tempo...

13/12/2015

Uma corrida é muito mais do que correr.

Uma corrida vai muito para além do físico. Muito para além do explicável. 

Hoje fiz 10km. A minha segunda corrida a sério foi feita sozinha: desde o momento em que saí de casa até este momento, sentada no chão da minha sala com o computador no colo. Sozinha. 
E podia vir aqui contar-vos todos os pormenores técnicos da corrida e da minha prestação, mas eu sou uma pessoa sensorial e tudo foi muito para além do físico. 
Comecei a um ritmo estável, sem me importar muito com as pessoas que me ultrapassavam. Nos túneis, aproveitei o embalo das descidas para compensar as subidas. A zona das Avenidas Novas é uma zona que me é muito querida, vivi ali 5 anos, ali fiz e tive um filho, trabalhei ali, fui muito feliz, cresci muito ali. Tudo me passou pela cabeça: todas as lembranças, todas as pessoas. 
Após os 4km, comecei a quebrar. Apetecia-me parar mas não via ninguém a andar e não quis dar parte fraca. Pensei: já fizeste 5km sem parar, vais mesmo querer parar agora? Abrandei depois primeiro abastecimento de água: parecia que as pernas já não podiam mais e a água que bebi não caiu muito bem. Veio a dor de burro, que já não sentia há meses. 
Entre os 6 e os 8km, ia alternando entre a corrida e a caminhada rápida. Lá se foi o meu ritmo. Depois dos túneis todos, começo a ver os assistentes: famílias, apoiantes, turistas. Tal como a outra corrida, ver aquelas pessoas deu-me imensa força. São pessoas que não conheço, estão ali para apoiar alguém, mas olham-nos nos olhos, batem palmas, falam connosco. Sinto uma força vinda sabe-se lá de onde e retomo o ritmo, afinal, os últimos quilómetros eram a descer. 
Lembro-me de sentir uma dor na virilha durante algum tempo. Não me lembro quando a dor de burro parou. Lembro-me de sentir muito desconforto por causa das meias. Mas nesses últimos quilómetros, sentia o corpo anestesiado. Já não doía nada. Já não sentia nada. 
A meio da Av. da Liberdade, o vento soprou mais forte e começo a ver folhas a caírem das árvores. Em câmara lenta. Olhei para cima e tentei captar o momento como se fosse uma máquina fotográfica. Foi talvez a imagem mais bonita que os meus olhos se lembram de ver. Tentei fechar os olhos por instantes. Foi o momento mais especial da prova. A chegada estava mesmo ali.

Cheguei ao fim. O objectivo estava cumprido. 

Afinal, não corri sozinha. Corri com as lembranças, os sítios, as pessoas que fazem parte da minha vida. Corri com os meus filhos, que ganharam a minha medalha. Corri com os Amigos que deixaram mensagens de incentivo. Corri com toda a circunstância que me trouxe até esta corrida.

Cheguei ao fim. 
10km. 
1h06m01s


05/12/2015

A Sala da Mariana

O acaso prega-nos algumas partidas, mas nem todas são más. A mim, fez-me tropeçar num grupo de pessoas fantásticas, muito bem resolvidas, muito diferentes mas muito na mesma onda, que têm em comum o facto de ter tido filhos na turma de uma Educadora muito à frente.
E o acaso podia ter colocado nessa turma pais menos sãos, mais picuinhas, mais ou menos desviantes, mas não pôs. Podia ter colocado alguns pais mais reivindicativos, mais contra a corrente, mais nódoa. Mas, ao fim de todo o percurso pré-escolar dos nossos filhos, o pano saiu imaculado.
Dizem que os Amigos escolhem-se. Estes, o acaso escolheu por mim. E estou certa que, quando o fez, os atros estavam todos muito alinhados no sítio certo.

Obrigada, meninas. Pelo jantar de ontem, pela presença, pelas mensagens, pelos disparates, pelas gargalhadas e pelos últimos anos.
Vamos continuar sempre a ser a Sala da Mariana, porque esta sala foi e vai continuar a ser, sem dúvida, a maior!

04/12/2015

12 anos.


Hoje, este blog faz 12 anos. DO-ZE anos!

Admito que já teve melhores dias. Mas confesso que já teve piores. E saber-vos desse lado, receber as vossas mensagens, ler os vossos comentários é o mimo que eu preciso neste momento.
Obrigada por continuarem desse lado. Obrigada pelo colo.

Parabéns à Casca. Venham mais 12!

02/12/2015

Às vezes fico baralhada. Fico sem saber se foi o normal que se tornou estranho ou se o estranho se tornou, nestes últimos meses, normal. Há momentos de conforto e serenidade. Mas esses agora são estranhos. Normal é o sentimento de desconforto, de estranheza, enquanto não encontro o meu lugar. Eu não gosto de não saber o meu lugar. Não gosto de me sentir perdida. Não gosto e não quero.

Estou cansada de falar. Mas também estou cansada de ouvir. O silêncio é um bem escasso, ultimamente. Devia ser obrigatório um momento de silêncio por dia: cerca de 15 minutos já seria bom. Consigo a sensação parecida com o silêncio total e absoluto quando estou debaixo de água. É deste silêncio que preciso.

O silêncio da corrida é confortante. Deve ser. Há tanto tempo que não corro que já não me lembro. O barulho das passadas, o som da respiração. Há um certo conforto no cansaço físico. O cansaço emocional é desgastante. Corrói o corpo, a paciência, as relações com os outros. E é estranho. Mas este estranho tornou-se normal.

- Estás triste? - perguntou-me o Manuel há dias. Dois anos e meio de gente. Naquele raro e estranho momento, ele não estava a chorar nem a gritar nem a bater nos manos. Ele não estava a fazer uma birra. Fazer birra, para o Manuel, é o normal.
Tive vontade de lhe dizer que eu não estou triste. Nem zangada. Nem com raiva. Estou magoada, o que é muito diferente. E tive vontade de lhe explicar que viver com esta mágoa é um peso grande demais para se conseguir suportar. Mas é um peso que se tornou normal.

Disse-lhe que estava muito contente porque o Manuel não estava a fazer birra.

Ele abraçou-se a mim e disse: a Mamã é munto linda.