24/11/2015

Importa-se de repetir? Parte III

- Mamã, sabes quanto é 5+5? É 10. E 10+10? É 20. E 20+20?
Eu tentava responder, mas ele não dava tempo. 
- E 100+100? É 200. E...
Interrompi:
- Agora sou eu. Diz-me lá se sabes quanto é 5-5!
- Xiiii, tão fácil!! É zero!
- E 0-5?
- É 5. 
- Não é mais! É menos! Zero menos cinco dá quanto?
- Então, tenho que pôr 0 na minha cabeça. Menos 5... Dá... Hummmm...
Ajudei:
- Imagina que tens zero rebuçados e tiras cinco...?
- Ah!! Se tenho zero, tenho que ir pedir rebuçados aos amigos! 

23/11/2015

Importa-se de repetir? Parte II

- Fazes assim: pegas nesta peça e pintas de madeira, precisas de três metades médias de fita-cola e depois desenhas um balão e pintas de qualquer coisa de cor. Por exemplo, de vermelho do Benfica. Apontaste tudo o que precisas, Mamã?

Hã?

22/11/2015

A vida continua?

Viver em constante sobressalto. Sentir o coração na boca a toda a hora. Saber que a qualquer palavra mais sensível, as lágrimas vão escorrer. Provar as palavras debaixo da língua que nunca vão ser ditas. Os toques dos dedos que nunca se vão sentir. O cheiro, o sabor, o quente de um corpo que nunca mais se tocará. 
A vida continua. Tem continuado na rotina de sempre, na velocidade de sempre, no desgaste de sempre. Os dias têm corrido muito depressa, tudo volta à normalidade. Os amigos mostram-se presentes, preocupam-se e querem confortar. Aprecio. Agradeço. Muitas vezes, fica-se alegremente surpreendida com a proveniência desses carinhos, vindos de gente que não se estava à espera. A vida continua. 
Ainda há dias menos bons. Há refúgios de sempre que nos falham. Há a solidão que se sente no meio da multidão. A falta de tempo para chorar. É tão importante chorar... 
A voz embargada a querer gritar. A urgência em disfarçar. A coragem para resolver.

Contigo sou mais forte. Sem ti, sou apenas eu. 

13/11/2015

1 mês

Já passou um mês. 
O seu coração já não salta quando ouve o elevador do prédio. Já não fica mais triste quando não pára no seu andar. Já não espera ouvir uma chave no lado de lá da porta. Já não se zanga com o barulho que os miúdos fazem de manhã, porque já não há ninguém a dormir. 

Passou um mês. 
E já consegue olhar o espelho de frente, já consegue sorrir, já vê o sol a brilhar quando olha para o céu. Já consegue segurar as rédeas dos seus dias em vez de conduzir em piloto automático sem pensar o rumo que isto vai levar. 

Passou um mês. 
A sensação de querer desaparecer já não existe. As lágrimas já conseguem ficar guardadas, as noites já se dormem. Já tem a certeza que não vai tocar um despertador a lembra-la que isto não passou de um pesadelo. 

Passou um mês. 
E esta é a realidade. E este dia 13 vai ficar-lhe para sempre gravado como o dia em que o chão desapareceu. O dia em que lhe foi arrancada uma boa parte da vida. Uma das mais importantes.

Já passou um mês. 
A história de Amor mais bonita que eu conheço chegou ao fim.



10/11/2015

5k

Foi a minha primeira prova a sério. Daquelas com chip no sapato, tempo contado, dorsal na camisola. Foram apenas 5km mas neste momento é o máximo que eu consigo correr. Há menos de dois meses, queixava-me que não fazia mais que 3,5. 
Tenho tido cada vez mais vontade de correr. Não tenho muita disponibilidade para treinar (nas melhores semanas, consigo treinar uma vez) mas tenho a sensação que, com um pouco mais de treino, facilmente chegaria aos 10km. 
No dia da corrida (um evento banal para a maioria das participantes mas tão especial para mim), estava com as emoções à flor da pele. Os miúdos estavam com o Pai e quis ouvir a voz deles antes de começar. Chamaram por mim e eu chorei. 
No percurso, vi imensos filhos a puxarem pelas Mães, a incentivarem, a gritarem, com cartazes, a baterem palmas. Senti vários apertos na garganta: nenhuma daquelas crianças era minha. Respirava fundo e ia continuando. 
À chegada, liguei-lhes. O António ainda nao percebe que o mais importante foi ter chegado ao fim e ficou desiludido quando lhe disse que não fiquei em primeiro lugar. Mas sobretudo senti necessidade de partilhar esta "vitória" com quem partilha a vida comigo. Só depois me lembrei que a vida já não é partilhada e bati num muro. Frio. Concentrei-me nas vozes dos miúdos (mais do que no conteúdo) e voltei a chorar. Quando desliguei o telefone, tinha  cinco garrafas de água à minha volta e uma voz autoritária:
 - Hidrata-te. E compõe-te. 
Assim o fiz. 

Foi uma sensação do caraças. 28 minutos e 52 segundos. 
5 km inteirinhos. 
É indiscritível. 

Próximo objectivo: 10km. 

02/11/2015

Importa-se de repetir?

Estávamos os quatro no carro, a caminho da escola. Ouvíamos o noticiário das 8h e a jornalista anunciava o fim da greve de fome de Luaty Beirão. Não consegui esconder a minha alegria e manifestei-a em alta voz:
- Que bom! Acabou aquela luta. Aquele miúdo não merecia ser mártir. Que alívio daquela família. Estou mesmo contente.
Começaram as perguntas:
- O que aconteceu? Porque estás contente? Angola é o país do Délcio; é muito longe? O que é uma greve? Porque é que ele tinha fome?
Decidi desligar o rádio e explicar o que tinha acontecido. Fiz os possíveis para que um miúdo de seis anos percebesse.
- Um grupo de rapazes foi preso em Angola porque pensaram que eles queriam fazer mal a quem está no Governo.
- Ao Presidente da República?
- Sim, pensaram que eles queriam fazer maldades e então prenderam-nos. Mas na verdade, eles não fizeram mal a ninguém. Só disseram que não estavam contentes com o Presidente da República.
- Dizer mal é proibido?
- Não é proibido. Só é proibido dizer asneiras e palavras de adultos. Mas eles nem disseram asneiras nenhumas. Foi muito injusto o que fizeram: prenderam-nos sem razão. Por isso, um dos rapazes decidiu parar de comer até serem libertados. Não comeu nada: nem pequeno almoço nem almoço nem jantar durante mais de um mês. Já imaginaste o que isso é? Sabes o que acontece quando as pessoas não comem?
- Morrem?
- Exactamente! Ele estava a ficar doente porque não comia. E hoje decidiu voltar a comer.
- Já não está preso?
- Está. Ele e os outros. Mas agora ele come e já ninguém vai morrer.
- E estás contente?
- Estou.

Dei um tempo para aquela cabeça assimilar tanta informação Estava mesmo contente com as perguntas que me ia fazendo. Ele estava mesmo a perceber e a interessar-se por questões actuais e fracturantes da vida política do século XXI. Já não era o menino desligado a fazer perguntas sem ouvir as respostas. Aquela cabeça estava no lugar.
Passados uns bons cinco minutos:

- Mamã?
- Sim?
- Esse grupo de rapazes eram os Queen?