Há uns dias, o António pediu-me para sair do Ballet.
- Não quero ir mais para o Ballet, Mamã. Não gosto nada de dançar.
Eu não quis explorar muito o assunto na altura, até porque já estava atrasado para o futebol. Disse apenas que depois falaríamos no assunto com calma, mas que durante o ano lectivo estaria fora de questão. Até porque vai haver um espectáculo daqui a duas semanas (ca nervos!!!) e já estão a contar com ele e blá blá blá. O assunto adormeceu.
Mais tarde, tivemos ensaio para o espectáculo (já disse? ca nervos!!!), o primeiro ensaio em que estivemos os três: eu, o António e o Pai. Com o Pai em trabalho, estive quase o tempo todo com o puto, ele viu-me a dançar, eu vi-o a dançar, elogiei, gostei mesmo de o ver e nem a presença dos pais o atrapalhou. Estava mesmo giro, o raio do miúdo, cheio de pinta e concentração. Saímos os dois da escola de dança (o Pai ainda ficou em trabalho) super animados, a falar do Ballet e do Hip hop e do que gostamos mais de ver um no outro. Não falou em desistir.
Uns dias depois:
- O Xavier* disse que o Ballet é para meninas.
Tudo se tornou claro. Claro e triste. O meu filho quer sair do Ballet porque um amiguinho da escola lhe disse que o Ballet é para meninas. Eu fiquei triste por saber que, em pleno século XXI, ainda há quem pense assim. Não pensem que culpo o amiguinho: ninguém nasce ensinado e aquela criança ouviu aquilo em algum lado. Também não culpo a família do amiguinho: ninguém é obrigado a gostar de Dança e a ver em casa bailados nas horas vagas. Se aquele garoto tivesse visto, pelo menos, dois minutos de uma peça de bailado saberia que há meninos no Ballet.
Fico chocada que ainda haja esta diferença entre o que é de menina e o que é de menino. Fico triste pelos estereótipos que o meu filho aprende por convivência. Enquanto houver um adulto (seja ele Pai, Mãe, Avô/ó, primo/a, vizinho/a) com um comentário deste género, há uma série de crianças que não faz o que quer ou gosta ou tem vocação porque não é para o seu género.
- O Xavier disse isso? Coitado, se calhar ele também pensa que o futebol é para meninos.
- Ah, não é não, porque lá no meu futebol há meninas!
- E no teu Ballet não há meninos?
- Há, o Gabriel, o Lucas, o N., o Pedro, o...
- E no Hip hop?
- No Hip hop há muitos meninos!
- Então tens que explicar ao Xavier que não há coisas para meninas e coisas para meninos.
Quando eu era pequena, queria ir para a tropa. E sempre ouvi que "a tropa é para meninos", mas nunca ouvi isso dos meus Pais e eles nunca me disseram que não podia ir. Calhou nunca ter ido para a tropa. Se calhar, era mais feliz. Ou não. Nunca saberei.
*nome fictício, claro.