Uma corrida vai muito para além do físico. Muito para além do explicável.
Hoje fiz 10km. A minha segunda corrida a sério foi feita sozinha: desde o momento em que saí de casa até este momento, sentada no chão da minha sala com o computador no colo. Sozinha.
E podia vir aqui contar-vos todos os pormenores técnicos da corrida e da minha prestação, mas eu sou uma pessoa sensorial e tudo foi muito para além do físico.
Comecei a um ritmo estável, sem me importar muito com as pessoas que me ultrapassavam. Nos túneis, aproveitei o embalo das descidas para compensar as subidas. A zona das Avenidas Novas é uma zona que me é muito querida, vivi ali 5 anos, ali fiz e tive um filho, trabalhei ali, fui muito feliz, cresci muito ali. Tudo me passou pela cabeça: todas as lembranças, todas as pessoas.
Após os 4km, comecei a quebrar. Apetecia-me parar mas não via ninguém a andar e não quis dar parte fraca. Pensei: já fizeste 5km sem parar, vais mesmo querer parar agora? Abrandei depois primeiro abastecimento de água: parecia que as pernas já não podiam mais e a água que bebi não caiu muito bem. Veio a dor de burro, que já não sentia há meses.
Entre os 6 e os 8km, ia alternando entre a corrida e a caminhada rápida. Lá se foi o meu ritmo. Depois dos túneis todos, começo a ver os assistentes: famílias, apoiantes, turistas. Tal como a outra corrida, ver aquelas pessoas deu-me imensa força. São pessoas que não conheço, estão ali para apoiar alguém, mas olham-nos nos olhos, batem palmas, falam connosco. Sinto uma força vinda sabe-se lá de onde e retomo o ritmo, afinal, os últimos quilómetros eram a descer.
Lembro-me de sentir uma dor na virilha durante algum tempo. Não me lembro quando a dor de burro parou. Lembro-me de sentir muito desconforto por causa das meias. Mas nesses últimos quilómetros, sentia o corpo anestesiado. Já não doía nada. Já não sentia nada.
A meio da Av. da Liberdade, o vento soprou mais forte e começo a ver folhas a caírem das árvores. Em câmara lenta. Olhei para cima e tentei captar o momento como se fosse uma máquina fotográfica. Foi talvez a imagem mais bonita que os meus olhos se lembram de ver. Tentei fechar os olhos por instantes. Foi o momento mais especial da prova. A chegada estava mesmo ali.
Cheguei ao fim. O objectivo estava cumprido.
Afinal, não corri sozinha. Corri com as lembranças, os sítios, as pessoas que fazem parte da minha vida. Corri com os meus filhos, que ganharam a minha medalha. Corri com os Amigos que deixaram mensagens de incentivo. Corri com toda a circunstância que me trouxe até esta corrida.
Cheguei ao fim.
10km.
1h06m01s