27/04/2011

Ser Mãe.

Ser Mãe é andar constantemente com o coração nas mãos cheias de manteiga derretida. Aquilo escorrega imenso e o raio do coração está molhado do sangue que lhe escorre tornando uma tarefa hercúlea o equilíbrio pelos dias. E esta parece-me uma sensação constante, não acontece pontualmente como quisemos acreditar quando planeávamos esta condição. É por estarem doentes, é por estarem tristes, é porque caem, é porque não querem dormir, é porque a árdua tarefa de educar os deixa frustrados, mesmo que tenhamos a certeza que estamos a fazê-lo para os tornar adultos mais felizes.
O António decidiu agora que não quer ficar no Colégio: um sítio que conhece há meses, que adora, que o mima, que o trata bem, que o desenvolve. Todos os dias chora, berra, chama por nós, agarra-nos o pescoço e não quer ficar lá sozinho. Chora umas lágrimas gordas e dolorosas como se aquela fosse a pior das torturas. Nós deixamo-lo lá, com o aperto de ver um filho a sofrer mas com a certeza que estamos a fazer a coisa certa. No resto do dia, o meu coração fica nas mãos, bem pequenino e apertado, enquanto ando aos encontrões pelas ruas e pelo trabalho, chocando em tudo o que é parede e tropeçando em todos os buracos da estrada.
Não consigo pensar noutra coisa. Morro aos bocadinhos se o meu filho não é feliz.

26/04/2011

Serviço Público #7 (*)

Então é assim:
(adoro começar posts com um "então é assim")
quando o puto menos espera, deitamo-lo no chão de barriga para cima e colocamo-nos por cima dele. Com as nossas pernas, prendemos as pernas dele de forma a que ele não consiga virar-se. Pomos-lhe os dois braços para cima, prendendo-os com a nossa mão esquerda e de forma a que ele não consiga virar a cara. Com a mão direita, enfiamos a seringa na boca do puto, bem lá para dentro junto à goela e despejamos o líquido lá para dentro. Logo que esteja vazia, largamo-la e tapamos o nariz. Quando tivermos a certeza que o puto engoliu o líquido, podemos largá-lo, damos-lhe um beijinho e um abraço e dizemos o quanto gostamos dele.

(*) - ou como dar o antibiótico a um filho de 19 meses que se recusa a tomá-lo de outra maneira. Antes de chamarem a Protecção de Menores, quero que saibam que tentei a via do diálogo, sem sucesso.

24/04/2011

Páscoa e outros domingos.

Lembro-me das reuniões de família. Quase todos os domingos, o ponto de encontro era na casa dos meus Padrinhos: uma casa cheia de miudagem a correr e a brincar de um lado e de conversas de adultos do outro. Volta e meia, aparecia alguém de longe e o encontro acabava em farra da boa: a Tia Lena era capaz de trazer o órgão e o Tio António desenrolava uns fados acompanhado do meu Pai na voz. Nós, os miúdos, gozávamos e ríamos com aqueles risinhos irritantes de pré-adolescentes, mas acabávamos por nos juntar a eles nas cantorias.
A mesa ficava posta do almoço para o jantar e ninguém se importava. Esses dias especiais aconteciam algumas vezes por ano, e sempre na Páscoa. No fim da farra da Páscoa, quando me despedia dos meus Padrinhos, recebia sempre uma nota de cinco contos para o mealheiro e eu ficava toda inchada de orgulho: não era todos os dias que se recebia uma nota de cinco contos!! (Foi com essas notas que comprei os meus primeiros All-Star e, mais tarde, a minha primeira mochila Monte-Campo.)
Desde que os meus Padrinhos ficaram doentes, e depois acabaram por partir, as reuniões de família acabaram. Tenho pena que o António não tenha vivido uma daquelas farras, que não tenha conhecido o Tio António. Não sei se alguma vez vamos voltar a ter um ritual de domingo como aquele, que nos fazia chegar a casa tardíssimo e acabar os trabalhos à pressa porque no dia seguinte era dia de escola. Não sei se vamos voltar a viver uma Páscoa tão cheia.
É que eu sinto tanta falta daqueles domingos...

J.

A J é das miúdas mais doces que eu conheço. Começamos por trabalhar juntas, na mesma equipa mas nem sei como é que nos fomos aproximando. Não me lembro de a ter ouvido alguma vez a falar mal por falar, a criticar de borla ou uma asneira sequer. É daquelas boas meninas que já não existem, de bem educada e gentil que é.
Em pouco tempo percebi que era uma pessoa em quem podia confiar e com quem podia estar sem ter de a aturar a falar de trabalho. Porque nunca foi o trabalho que nos uniu, apesar de ter sido no trabalho que as nossas vidas se cruzaram.
Não foram precisos estes (pouco mais de) dois anos e um convívio quase diário para saber que a J é uma Amiga para a vida: acho que isso percebeu-se muito antes.
Ela agora vai para longe. Não longe o suficiente para acabar uma amizade, mas longe o bastante para lhe sentir a falta. Daqui a uma semana, o convívio diário vai acabar.
Eu não choro, porque a distância encurta-se facilmente. Mas fico triste porque a vida me vai tirar um bocadinho de mim e da minha vontade de ir trabalhar todos os dias.
Por isso, J, faz-nos o favor de ser feliz, sim?