28/03/2018

Deixem-me contar-vos um segredo...

Tenho esta página em branco e mil histórias para contar. 
As que posso contar, já toda a gente sabe: são histórias iguais às de toda a gente. Histórias do dia a dia, do rame-rame, as vulgares e sem estória. 
As outras guardo para mim, na esperança de conseguir entendê-las e explicá-las ao mundo. As histórias que ficam escondidas num lugar fundo e escuro. 

Conquistas, desilusões, vergonhas, orgulhos... 
Uma montanha russa que me leva do tudo ao nada em segundos, que me enche e esvazia de repente, que dá prazer e dor logo a seguir. Uma mistura agridoce, quente e fria, confortável e desconfortável ao mesmo tempo. 

Tenho os dias cheios de histórias guardadas e escondidas. Tenho copos meio cheios que continuam meio vazios. Tenho gritos e gargalhadas, mas também tenho lágrimas e lamúrias. Tenho tantas coisas tão boas e outras tantas tão más. Tenho coisas más que são boas e vice versa. E em simultâneo.

Percebo que isto possa não fazer sentido nenhum. Eu ainda estou à procura do sentido. Ou à procura de dar sentido a tudo isto. Mas se há coisa que eu aprendi nestes 40 anos é que, mais tarde ou mais cedo, tudo acaba por fazer sentido desde que sejamos nós a encontrá-lo.

Pensei que os 40 anos fossem um lugar confortavelmente estável.
Descubro, diariamente, que os 40 são inundados de desconfortos infinitamente felizes. 

E eu? Eu sou desconfortavelmente feliz.

22/02/2018

Xia

Foi tudo muito rápido. Acho que isso foi o que me custou mais. Secretamente, guardei até ao fim a esperança de me ver sentada contigo à mesa, no próximo Natal, a rir sobre aquele acidente. Mas isso não vai acontecer. 
Foi tudo muito rápido e inesperado, e eu sempre acreditei que as mulheres fortes como tu fossem imortais. Uma Mulher exemplo para todas as mulheres que te rodearam, que te admiraram, que te conheceram. Não bastava seres aquela força da natureza, ainda eras uma das mulheres mais bonitas que conheci (acho que nenhuma das tuas netas teve a sorte de herdar essa tua beleza). 
Agora, já não estás cá. E isto parece tão irreal como imaginar a tua casa sem um bolo acabado de fazer. Ou um molotov. Ou sem o relógio que fazia música a todas as horas e que o Miguel chamava “o Natal”. 

No outro dia, ao sair da escola, o Manuel olhou para o céu azul. “Não se vê a Xia, Mamã. Como é que vamos conseguir ver a Xia quando tivermos saudades durante o dia? Só à noite é que se vêem as estrelas!” 
Parei, baixei-me à altura dos seus cinco anos, olhei para ele e disse “fecha os olhos com toda a tua força. Toda a força que conseguires”, e ele fechou. “Consigo ver estrelinhas! Afinal, consigo ver a Xia sempre que quiser!”

Foi assim que ensinei aos meus filhos que, apesar de já não estares cá, estarás sempre connosco. Sempre que precisarmos. 

13/01/2018

Até amanhã.

Estava a precisar de um dia como o de hoje.

Os últimos tempos não foram fáceis: o natal é sempre uma época complicada para mim, vivi grandes desilusões, uma perda incompreensível, o acidente da minha Avó... Tudo num espaço de tempo muito curto. Ando sem energia, irritada, revoltada. Ando cheia de frio, a dormir mal, a comer pior. 
Estava a precisar de um dia como o de hoje. Um dia só para mim. Oito horas de puro deleite e cabeça focada naquilo que me dá mais prazer: a Dança. Aulas, ensaios, treinos.

Quem me conhece bem sabe onde é a minha segunda casa. É naquela escola onde me sinto bem, onde recupero as minhas energias, onde penso positivo, onde posso fazer o que mais gosto. Mal ou bem. Melhor ou pior. Posso ser eu ou posso representar: uma bailarina elegante ou um guarda furioso. E foi aquela escola que deu origem aos meus três bens mais preciosos: os meus filhos.

Agora, sentada às escuras no meu quarto, num silêncio calmo e relaxado, pronta para dormir, sinto que exorcizei todos os desgostos dos últimos tempos. Sinto-me descansada e feliz. Sinto-me só mas completa. 
Amanhã, não sei: talvez o cinzento volte a toldar a minha vontade, talvez o brilho irradie. 
Mas hoje... hoje foi um dia branco de esperança e de paz.

Até amanhã.