Estávamos os quatro no carro, a caminho da escola. Ouvíamos o noticiário das 8h e a jornalista anunciava o fim da greve de fome de Luaty Beirão. Não consegui esconder a minha alegria e manifestei-a em alta voz:
- Que bom! Acabou aquela luta. Aquele miúdo não merecia ser mártir. Que alívio daquela família. Estou mesmo contente.
Começaram as perguntas:
- O que aconteceu? Porque estás contente? Angola é o país do Délcio; é muito longe? O que é uma greve? Porque é que ele tinha fome?
Decidi desligar o rádio e explicar o que tinha acontecido. Fiz os possíveis para que um miúdo de seis anos percebesse.
- Um grupo de rapazes foi preso em Angola porque pensaram que eles queriam fazer mal a quem está no Governo.
- Ao Presidente da República?
- Sim, pensaram que eles queriam fazer maldades e então prenderam-nos. Mas na verdade, eles não fizeram mal a ninguém. Só disseram que não estavam contentes com o Presidente da República.
- Dizer mal é proibido?
- Não é proibido. Só é proibido dizer asneiras e palavras de adultos. Mas eles nem disseram asneiras nenhumas. Foi muito injusto o que fizeram: prenderam-nos sem razão. Por isso, um dos rapazes decidiu parar de comer até serem libertados. Não comeu nada: nem pequeno almoço nem almoço nem jantar durante mais de um mês. Já imaginaste o que isso é? Sabes o que acontece quando as pessoas não comem?
- Morrem?
- Exactamente! Ele estava a ficar doente porque não comia. E hoje decidiu voltar a comer.
- Já não está preso?
- Está. Ele e os outros. Mas agora ele come e já ninguém vai morrer.
- E estás contente?
- Estou.
Dei um tempo para aquela cabeça assimilar tanta informação Estava mesmo contente com as perguntas que me ia fazendo. Ele estava mesmo a perceber e a interessar-se por questões actuais e fracturantes da vida política do século XXI. Já não era o menino desligado a fazer perguntas sem ouvir as respostas. Aquela cabeça estava no lugar.
Passados uns bons cinco minutos:
- Mamã?
- Sim?
- Esse grupo de rapazes eram os Queen?